O homem, como ser racional, tem a capacidade de codificar/simbolizar a sua própria experiência de vida. Convém ao verdadeiro artista plástico codificar experimentos e criações que permitam ao espectador, além da emoção estética, uma reflexão da própria condição humana: uma permuta de ideias e ideais explicitados através de um código visual próprio de cada artista.
João Rossi sempre foi um expressionista, liberto e libertador de convencionalismos e academicismos. Sua produção artística vai além do anedótico, do prosaico e do ilustrativo para alcançar, num voo mais amplo, o homem na sua plenitude universal e, ao ultrapassar esta barreira, revelar as aspirações, os sonhos e os dissabores da própria humanidade: o cotidiano conflagrado por mãos hábeis, seguras; repleto de emoção e arrebatamento, inerente à produção dos grandes artistas.
Sua permanente inquietação, inovação – desprovida dos apenas panfletário – testemunha seu ideal de liberdade e solidariedade humana. Na série Ameríndia, João Rossi, documenta o sofrimento/desalento do povo latino-americano. Um contato direto com a realidade, com modelos não imaginados mas, observados “in loco” quer nas periferias ou nas regiões centrais das grandes metrópoles. Uma interpretação plástica a serviço dos marginalizados, esquecidos pela sociedade.
O modo de gravar de João Rossi revela aspectos fundamentais para a própria compreensão da História da Moderna Gravura Brasileira. Assim como Oswaldo Goeldi, Lasar Segall, Lívio Abramo, Axel Leskoschek, Raimundo Cela, Carlos Oswald, Marcelo Grassmann, Manoel Martins, Iberê Camargo, Renina Katz, Fayga Ostrower e Evandro Carlos Jardim – baluartes da gravura brasileira –, João Rossi nos legou uma obra repleta de conteúdo social e de surpreendentes experimentações/inovações gráficas. Uma carreira impregnada pela visão humanística do mundo e pelo conhecimento, em profundidade, de técnicas e materiais artísticos. A técnica e a emoção são inseparáveis na obra de Rossi.
Ao lado da série Ameríndia com seus “Niños muertos”, marginais, prostitutas e graciosos vendedores de frutas e flores, João Rossi documenta também a alegria e a ledice feminina: mulheres despidas, em poses estáticas, à maneira de Giorgio Chirico, metafisicamente questionam o verdadeiro lugar da mulher na sociedade. Sem agressão, reclamos ou violência se mostram plenas de beleza. Graça, apenas graça.
No final da série Ameríndia, o gravador, progressivamente, anexa aos casarios humildes, elementos tipicamente urbanos. As figuras planificadas, com predominância das superfícies horizontais, cedem lugar às composições verticalizadas que irão caracterizar a segunda grande série deste artista profícuo, realizador – Urbania: são vibrantes e tácteis estas imagens gravadas em altos e baixos relevos, incomuns. Afastadas dos padrões convencionais da gravura em metal reforçam, ainda mais, a atmosfera mágica das grandes metrópoles: encantadoras e inóspitas.
Grandes áreas brancas, luminosas convivem, pacificamente, com dezenas de tons sépias, amarelos, verdes, azuis, violáceos e vermelhos. Um concerto cromático vibrante articulado somente por permutações gráficas e sobreposições colorísticas.
O domínio técnico-formal, marca indelével do gravador João Rossi é facilmente identificado. Distante da verossimilhança, próximo da pura emoção, o artista, poeticamente, metamorfoseou as formas, cores, brumas, sombras e luzes da cidade. Uma cidade vívida, dinâmica, onde a realidade e a fantasia são magicamente fundidas em crônicas visuais de cromatismos dramáticos, intensos.
As lembranças do passado, o fugidio presente e o quase palpável futuro da metrópole paulistana estão amalgamados nesta avassaladora investigação visual. Desnuda de adereços, máscaras ou ilusões, esta desafiadora cidade, como uma ESFINGE, foi plasticamente decifrada por João Rossi.